Animais são admirados pelos visitantes na região do adro da Igreja. Projeto contemplado via Semente apresentou esse e outros resultados surpreendentes sobre o comportamento da espécie na região do Santuário
Os mais de 11 mil hectares da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça, na Serra de mesmo nome, entre os municípios de Catas Altas e Santa Bárbara, tem como representante de sua fauna e flora um já conhecido e peculiar morador, possivelmente a espécie mais icônica do Cerrado: o lobo-guará. Em execução desde o segundo semestre de 2023, após contemplação via Semente, o projeto "Turismo de observação do lobo-guará como ferramenta de conservação" apresentou neste mês, durante o Festival do Lobo, resultados importantes sobre o comportamento dos animais no local. A despeito da atitude ser individual, foi constatado, em linhas gerais, que eles estão naturalmente habituados à presença de observadores humanos após subirem a escadaria em frente à Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens.
Durante a simbólica "Hora do Lobo", quando acontece esse ritual noturno, o estudo mostrou comportamentos distintos entre os indivíduos monitorados – os casais Sampaia e Zico e Petrina e Lourenço. Primeiros a receberem o colar de monitoramento, Sampaia e Zico apresentam dados mais estáveis, sendo que a primeira, especialmente, revela maior tolerância aos observadores. Ainda assim, buscam espaços sem a presença de pessoas durante os períodos em que sobem a escadaria da Igreja. Essa habituação não causa interferência na sua movimentação e nem os força a permanecerem nas áreas em que não se sentem confortáveis. Ou seja, não existe uma vinculação espacial ao adro, e os canídeos ficam por ali somente o tempo "necessário". Vale destacar também que a maior parte da sua alimentação é feita em regiões de mata, longe do entorno do Santuário.
Petrina e Lourenço, por sua vez, transitam entre trechos da reserva e áreas degradadas de pastagens e mineração, e não há dados relevantes sobre andanças no entorno da Igreja. Esse casal apresenta movimentação diferente dos demais, o que sugere sua adequação a estes habitats.
O projeto executado pela RPPN Caraça junto ao Instituto Pró-Carnívoros, em parceria com o CENAP/ICMBio, conta com o uso de colares de monitoramento, câmeras traps e exames periódicos em cada canídeo - assim é possível acompanhar, por exemplo, os padrões de movimentação pela RPPN. Com dados via GPS e das 19 armadilhas fotográficas (16 pela reserva e três no Santuário), que totalizaram 430 dias de registros para Sampaia e Zico, foi constatado que a fêmea do casal teve área de vida média (o espaço por onde circulou) de 106,21 km², enquanto Zico registrou 161,67 km² no mesmo período. Monitorados por um tempo menor, Lourenço apresentou 26,24 km² em 219 dias, e Petrina teve 32,61 km² de média nos 54 dias de registro com o colar – a espécie, em ambientes selvagens, tem área de vida que varia de 40 a 123 km².
O coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação dos Mamíferos Carnívoros (CENAP/ICMBio), Rogério Cunha, lembrou o fato de a espécie ser territorialista. "Os lobos são excludentes de território, e é por isso que a Petrina e o Lourenço não chegam perto do Santuário. Eles vão ocupando áreas mais abertas, e os dois casais têm áreas de vida bem diferentes", destacou Cunha.
Quanto a esse deslocamento, os números revelam que cada um dos lobos anda cerca de 15 km por dia. Já na escadaria em frente à igreja, a loba mais velha, Sampaia, de oito anos, foi quem se mostrou mais à vontade diante da presença humana. O projeto confirma que ela costuma ficar por mais tempo na área de visitantes conforme há mais turistas – desde que o ruído não atinja níveis que a afastem do local.
Além do registro temporal, exames de sangue também analisaram os níveis de estresse dos lobos, sendo constatado que ela e Zico, ambos mais acostumados com a vida no Santuário, convivem bem mesmo em meio aos visitantes humanos. O relatório lembra que "é necessária cautela na interpretação" desses dados, já que demais questões, relacionadas por exemplo à alimentação ou à presença de outros animais, podem ter impacto nestes resultados.
Apesar de figurar em lista recente de espécies ameaçadas do Portal da Biodiversidade como vulnerável e depender da preservação de seus ambientes naturais para seguir na ativa, o lobo-guará mostra se adaptar bem ao cotidiano da RPPN - a sensação de segurança ajuda a manter viva a tradição dos "Lobos do Caraça".
O Semente conecta o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) à sociedade, em parceria com o CeMAIS, viabilizando iniciativas transformadoras que beneficiam as pessoas e o meio ambiente. Ele é uma alternativa segura, democrática e transparente para que os Promotores de Justiça possam destinar recursos advindos de medidas compensatórias a projetos de relevante interesse socioambiental e que proporcionem resultados para toda a sociedade.
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Foto de capa: Adriano Gambarini | Reprodução: Instituto Pró-Carnívoros
Fotos - texto: Semente
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