Publicado em: 21/10/2025
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Estudo avalia habituação dos lobos do Caraça à observação dos visitantes

Animais são admirados pelos visitantes na região do adro da Igreja. Projeto contemplado via Semente apresentou resultados surpreendentes sobre o comportamento da espécie na região do Santuário

Os mais de 11 mil hectares da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça, na Serra de mesmo nome, entre os municípios de Catas Altas e Santa Bárbara, tem como representante de sua fauna e flora um já conhecido e peculiar morador, possivelmente a espécie mais icônica do Cerrado: o lobo-guará. Em execução desde o segundo semestre de 2023, após contemplação via Semente, o projeto "Turismo de observação do lobo-guará como ferramenta de conservação" apresentou neste mês, durante o Festival do Lobo, resultados importantes sobre o comportamento dos animais no local. A despeito da atitude ser individual, foi constatado, em linhas gerais, que eles estão "naturalmente habituados" (ou que "toleram", em outro termo) à presença de observadores humanos após subirem a escadaria em frente à Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens.

Com o projeto, confirmou-se que existem hoje dois casais residentes no Caraça - o primeiro, Sampaia (8 anos) e Zico (6), ocupam a área central do Santuário, bem como áreas de visitação e e outras destinadas à preservação ambiental. Já Petrina (3 anos) e Lourenço (5) ocupam a "baixada caracense", mas suas áreas de vida não se sobrepõem. Outro fator importante revelado no estudo: o casal Sampaia e Zico reproduz regularmente - Vicente e Francisco, filhotes nascidos durante a execução do projeto em 2023, já se dispersaram e não vivem mais na reserva. Graças às marcações realizadas nos indivíduos, sabe-se que o Vicente foi visto no Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em Caeté. Atualmente, o Caraça conta com cinco lobos - além dos casais citados, um filhote da Sampaia e Zico tem sido visto com frequência nas armadilhas fotográficas e, eventualmente, no adro da Igreja.

Durante a simbólica "Hora do Lobo", quando acontece o ritual noturno, o estudo também apontou comportamentos distintos entre os indivíduos monitorados. Primeiros a receberem o colar de monitoramento em 2024, Sampaia e Zico apresentam dados mais estáveis, sendo que a primeira, especialmente, revela maior tolerância aos observadores. Ainda assim, buscam espaços sem a presença de pessoas durante os períodos em que sobem a escadaria da Igreja. Os dados mostraram que a habituação não causa interferência na sua movimentação e nem os força a permanecerem nas áreas em que não se sentem confortáveis. Ou seja, não existe uma vinculação espacial ao adro, e os lobos ficam por ali somente o tempo "necessário". Vale destacar ainda que, na maior parte do tempo, os animais são registrados em áreas naturais, forrageando longe do entorno do Santuário.

Já Petrina e Lourenço, capturados respectivamente em março de 2025 e novembro de 2024, transitam entre trechos da reserva e áreas degradadas de pastagens e mineração. Diante do curto período em que estão sendo monitorados, até o momento, não há registro da presença deles no entorno da Igreja. Ou seja, esse casal apresenta movimentação distinta aos demais.



Com execução da RPPN Caraça junto ao Instituto Pró-Carnívoros, em parceria com o CENAP/ICMBio, o projeto conta com o uso de colares de monitoramento, câmeras traps e exames periódicos em cada indivíduo - assim é possível acompanhar, por exemplo, os padrões de movimentação pela RPPN. Com dados via GPS dos colares e das 19 armadilhas fotográficas (16 pela reserva e três no Santuário), que totalizaram 430 dias de registros para Sampaia e Zico, foi constatado que a fêmea do casal teve área de vida média (o espaço por onde circulou) de 106,21 km², enquanto Zico registrou 161,67 km² no mesmo período. Monitorados por um tempo menor, Lourenço apresentou 26,24 km² em 219 dias, e Petrina teve 32,61 km² de média nos 54 dias de registro com o colar – a espécie, em ambientes selvagens, tem área de vida que varia de 40 a 123 km².

O coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação dos Mamíferos Carnívoros (CENAP/ICMBio), Rogério Cunha, lembrou o fato de a espécie ser territorialista. "Os lobos são excludentes de território, e é por isso que a Petrina e o Lourenço não chegam perto do Santuário. Eles vão ocupando áreas mais abertas, e os dois casais têm áreas de vida bem diferentes", reforçou Cunha.

 

 A loba-guará Sampaia, em registro no adro da igreja, na noite de 10/10


Outros resultados

Quanto a esse deslocamento, os números revelam que cada um dos lobos anda cerca de 15 km por dia. Já na escadaria em frente à igreja, Sampaia foi quem se mostrou mais à vontade diante da presença humana. Os dados indicam que ela costuma ficar por mais tempo na área próxima aos visitantes e o número de observadores parece não ser um fator predominante para sua presença ou ausência – desde que o ruído não atinja níveis que a afastem do local. Outro fator interessante avaliado no estudo é que os lobos utilizam, em sua maioria, as mesmas trilhas que os visitantes, porém em horários distintos. Enquanto a visitação está destinada aos turistas entre 8h e 17h, os canídeos, naturalmente, apresentam atividade ao final do dia, próximo ao pôr-do-sol e no início, perto do nascer. Em função desses horários, os encontros com os visitantes são mais raros nas trilhas.

Além do registro temporal, exames de sangue também analisaram os níveis de estresse dos animais, sendo constatado que a loba mais velha e Zico, ambos mais acostumados com a vida no Santuário, convivem nos mesmos ambientes que os humanos. O relatório lembra que "é necessária cautela na interpretação" desses dados, já que demais questões, relacionadas por exemplo à alimentação ou à presença de outros animais, podem ter impacto nestes resultados.

Apesar de figurar em lista recente de espécies ameaçadas do Portal da Biodiversidade como vulnerável e depender da preservação de seus ambientes naturais para seguir na ativa, o lobo-guará mostra se adaptar bem ao cotidiano da RPPN - a sensação de segurança ajuda a manter viva a tradição dos "Lobos do Caraça".


Relembre:

 

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O Semente conecta o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) à sociedade, em parceria com o CeMAIS, viabilizando iniciativas transformadoras que beneficiam as pessoas e o meio ambiente. Ele é uma alternativa segura, democrática e transparente para que os Promotores de Justiça possam destinar recursos advindos de medidas compensatórias a projetos de relevante interesse socioambiental e que proporcionem resultados para toda a sociedade.

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Foto de capa: Adriano Gambarini | Reprodução: Instituto Pró-Carnívoros

Fotos - texto: Semente

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